Sobre o Manifesto (dos Pobres)

Oz escreveu um texto genial, e diz que não sabe se é a opinião de todos do blog. É a minha, certamente, e eu, como chefe dessa bosta, publico. Pega aqui na minha ditadura, pega.

Melhor.texto.ever. Um sopro de inteligência, dá até alívio ler isso. Obrigada, Oz!


Manifesto BBB8 – Dos Pobrinhos


Não é, vejam bem, o fato de ser pobre o que irrita. Ser pobre não é e nem nunca foi, para a maioria de nós, um defeito. Mas também, e com mesma intensidade, nunca foi e jamais será uma qualidade. Ser pobre é uma condição, mas não da mesma forma que ser negro, ser disléxico ou ser homossexual. Enquanto em todas as outras condições a única ação cabível é aceitar; todos aqueles que pertencem à condição “ser pobre” lutam (e devem mesmo lutar) para sair dela.

A proposta do programa não é ajudar quem precisa; é dar dinheiro a quem merece. E ser pobre não significa que alguém mereça, de fato, ficar milionário. Um milhão de reais é muito mais dinheiro do que alguém algum dia vai precisar. Um milhão de reais é o que as pessoas querem.

Nenhum participante de Big Brother volta verdadeiramente ao anonimato após o programa. As pessoas próximas e em suas cidades pequenas, sempre vão saber que aquela pessoa esteve na Rede Globo. No Brasil isso é o suficiente pra garantir a essas pessoas algum sustento. Sabemos como são as coisas aqui: numa vaga de atendente de loja, por exemplo, a preferência é sempre do candidato que for um ex BBB.

Quando a Rede Globo insere numa casa treze pessoas com alguma instrução e dinheiro e apenas uma burra o suficiente pra escrever as barbaridades que escreve em seu Diário On-Line, é hora de parar e pensar a respeito. A Globo inseriu Gyselle no Big Brother já com o intuito de fazê-la a nova coitadinha do Brasil, aquela que os brasileiros, revoltados com a própria condição de brasileiros, vão defender com unhas e dentes dos monstros que são monstros apenas por nunca terem passado necessidade.

E qual será a revolta dessas pessoas ao decidirem abdicar de três meses do convívio da família e dos amigos, do direito de ir e vir, parar tentar ganhar esse “um milhão” e perceberem, ao entrar na casa do BBB, que estão sendo usados? A Globo nunca os inseriu ali para competir. A Globo os convidou a participar para perder. E, se não há competição justa, se o ponto de largada da corrida não é o mesmo para todos, não há jogo. O Big Brother é (mas nem sempre foi) uma farsa. E nós sabemos disso. Ter consciência e aceitação de nossa condição é o que dos dá o direito de escolher para nossas vidas o que bem entendermos. Eu escolho gostar do Big Brother, mas isso não significa que eu deva permitir que o programa determine todas as minhas decisões, da mesma forma que uma porteira aberta indica ao gado por onde seguir.

Colocaram Gyselle no programa para que torçamos por ela. Em 24 horas diárias de Pay Per View, ela se faz presente apenas em 20 minutos; porquanto na edição da Rede Globo ela é protagonista de uma história de luta e injustiça social que sequer existe naquela casa.

Não temos que exigir que a Gyselle seja a maior enturmada de todas e que faça todas as palhaçadas da casa. Aos desavisados, aqui vai uma correção da sabedoria popular contemporânea: o programa não se chama Big Brother porque o “grande irmão” ou “o mais querido dentro da casa” tenha que ganhar. Não, ele se chama Big Brother porque esse é o nome do “ditador” do livro 1984, do autor britânico George Orwell, em que todas as casas de todos os cidadãos eram monitoras em tempo integral pelo governo controlador.

Nesse mesmo livro fica claro que é impossível que o povo derrube um sistema, principalmente se este estiver presente em suas próprias mentes. O livro 1984 nos diz que não temos poder unicamente porque somos como gado. Somos muitos, mas não pensamos nada além do que ele nos permita pensar. Nós apenas aceitamos. A mente do cidadão comum está inserida na mente do Big Brother (do livro) e parece estar também inserida na mente da direção do Big Brother (o programa). Ele nos faz uma opção única, manipulada, óbvia. O que fazemos? Aceitamos? Somos gado?

Não peço que não torçam pela Gyselle. Mas peço que, se decidirem fazê-lo, que o façam com consciência plena. Compreendendo que ela trabalhava na França como modelo (e era paga em Euro!), que gravou clipe pra Mtv francesa e que vai ganhar dinheiro ao sair da casa (porque é muito bonita). Se forem torcer pela Gyselle, que não seja porque ela não tem dinheiro (se é que não tem). E, muito menos, por ela ser ignorante. Torçam pela Gyselle se acharem que ela é uma boa pessoa e tiverem razões para sustentar essa opinião.

Eu mesmo, que já estudei em escola pública, fui capaz de escrever aqui esse manifesto com algum sucesso (vai saber!), assim como outros tantos cidadãos brasileiros que fizeram escola pública, mas passaram no vestibular e hoje estão com carreiras em andamento. A obrigação dela era perseverar e aprender. Ser burro por opção, aí sim, é defeito.

Pode ser que daqui a duas semanas eu descubra que ela é uma pessoa sensacional e passe a torcer cegamente por ela e vire um defensor ferrenho da moça; mas até hoje não a vi tendo atitude alguma que me fizesse querer que ela se torne uma milionária.



Eu escolho em quem quero votar. E vocês?